O Banzo Matava Mais que Doenças: Por Que Escravizados no Brasil Escolhiam a Morte
Você já imaginou viver em um lugar onde sua dor não tinha nome? Durante mais de três séculos de escravidão no Brasil, milhões de pessoas viveram exatamente isso.
Quando africanos escravizados chegavam ao Brasil, muitos eram tomados por uma tristeza fatal. Era o banzo. Uma palavra do quimbundo que descrevia depressão tão profunda que levava à morte. Em mil setecentos e noventa e três, o luso-brasileiro Luís Antonio de Oliveira Mendes documentou essa enfermidade, descrevendo-a como paixão da alma causada pela saudade da pátria e pelos maus-tratos recebidos.
O banzo não era apenas tristeza. Era o reflexo de um trauma inimaginável. Pessoas arrancadas violentamente de suas terras, separadas de suas famílias, despidas de sua humanidade. Historiadores mostram que o índice de suicídios entre pessoas escravizadas era duas a três vezes maior que entre pessoas livres. Muitos recusavam alimentos, deixando-se morrer.
Mas o que era considerado cuidado naquela época? Em mil oitocentos e cinquenta e dois, com a criação do Hospício Pedro Segundo no Rio de Janeiro, a psiquiatria brasileira começava seus primeiros passos. Mas esse sistema não foi pensado para acolher o sofrimento negro. Pelo contrário. O tratamento moral propunha isolamento, disciplina e trabalho regular. Imagine a crueldade: pessoas que já viviam em cativeiro sendo isoladas ainda mais.
E esse sofrimento não ficou no passado. A ciência moderna descobriu algo assustador. Um estudo do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto Brasil mostrou que a mobilidade social intergeracional desfavorável explica grande parte da iniquidade racial em saúde no Brasil. É o trauma intergeracional. As marcas da escravidão continuam vivas.
Pesquisas da Universidade Federal de São Paulo revelam que o racismo gera situações traumatizantes que prejudicam o desenvolvimento emocional e mental. E hoje, a população negra ainda enfrenta maiores barreiras para acessar cuidados de qualidade em saúde mental.
Então, o que você pode fazer? Comece reconhecendo. Reconheça que o racismo é um determinante social da saúde mental. Eduque-se sobre a história completa do Brasil, não apenas a versão romantizada.
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Fontes:
Universidade Estadual de Campinas (2008). "Escravidão e nostalgia no Brasil: o banzo". https://www.scielo.br/j/rlpf/a/XsH4RvsyCmxJzydsfgTgvKS/?lang=pt
Fundação Oswaldo Cruz (2022). "Racismo e iniquidade racial na autoavaliação de saúde ruim: o papel da mobilidade social intergeracional no Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto". https://www.scielo.br/j/csp/a/dk9XSMvfWkBGyKLkZSyvP9f/?lang=pt
Universidade Federal de São Paulo (2008). "Saúde Mental e Racismo Contra Negros: Produção Bibliográfica Brasileira dos Últimos Quinze Anos". http://www.scielo.br/j/pcp/a/gPSLSxDcHDhDccZgpk3GNVG/?lang=pt
FAQ - Saúde Mental na Escravidão no Brasil
1. O que era o banzo?
O banzo era uma condição de profunda tristeza e depressão que afetava pessoas africanas escravizadas no Brasil. A palavra vem do quimbundo e descrevia um estado emocional tão intenso que podia levar à morte. Era causado pela saudade da terra natal, separação das famílias, perda da liberdade e pelos maus-tratos constantes. Muitas pessoas com banzo recusavam alimentos e deixavam-se morrer.
2. Existiam cuidados com saúde mental durante a escravidão?
Praticamente não. O sofrimento mental das pessoas escravizadas era invisibilizado ou interpretado como "preguiça" ou "rebeldia". Quando o Hospício Pedro Segundo foi criado em 1852 no Rio de Janeiro, marcando o início da psiquiatria no Brasil, o sistema não foi pensado para acolher genuinamente o sofrimento da população negra. Os tratamentos envolviam mais controle, isolamento e disciplina - exatamente o que essas pessoas já sofriam no cativeiro.
3. Por que os índices de suicídio eram tão altos entre pessoas escravizadas?
O índice de suicídios entre pessoas escravizadas era de duas a três vezes maior que entre pessoas livres porque viviam sob trauma constante e desumano. A violência física e psicológica diária, a separação das famílias, a perda total de autonomia e dignidade criavam condições de sofrimento insuportável. Para muitos, a morte era vista como única forma de libertação ou retorno espiritual à África.
4. O que é trauma intergeracional?
Trauma intergeracional é a transmissão de consequências de experiências traumáticas de uma geração para outra. Pesquisas científicas mostram que eventos traumáticos vividos por uma geração podem afetar a saúde física e mental de descendentes através de mecanismos biológicos, psicológicos e sociais. No contexto da escravidão, isso significa que as marcas desse período continuam impactando a saúde mental da população negra até hoje.
5. Como a escravidão afeta a saúde mental da população negra atual?
Os efeitos persistem de várias formas: através do racismo estrutural que limita acesso a recursos e oportunidades; das barreiras no acesso a cuidados de saúde mental de qualidade; da mobilidade social desfavorável entre gerações; e do trauma psicológico causado pela discriminação racial constante. Estudos mostram que o racismo é um determinante social importante da saúde mental.
6. O tratamento moral funcionava?
O tratamento moral, proposto por Philippe Pinel, defendia isolamento, disciplina e trabalhos regulares. Para pessoas escravizadas, isso era extremamente cruel e contraproducente, pois apenas reproduzia as condições de opressão que já viviam. Não havia escuta terapêutica real, acolhimento emocional ou reconhecimento da humanidade dessas pessoas. Era mais uma forma de controle social do que cuidado genuíno.
7. Por que havia mais negros internados em hospícios?
A predominância desproporcional de pessoas negras em hospícios não refletia necessariamente maior incidência de doenças mentais, mas sim o racismo estrutural. Comportamentos que desafiavam a ordem social estabelecida ou que incomodavam pessoas brancas eram frequentemente patologizados. A psiquiatria era usada como instrumento de controle social da população negra.
8. O que posso fazer para ajudar a mudar essa realidade?
Você pode começar com três ações concretas:
Reconhecer - Entenda que o racismo é um determinante social da saúde mental e que seus efeitos são reais e mensuráveis.
Educar-se - Busque conhecer a história completa do Brasil, incluindo as partes dolorosas que muitas vezes são omitidas. Leia autores negros e pesquisas sobre o tema.
Agir - Apoie políticas públicas de saúde mental voltadas para a população negra, pratique antirracismo ativo no seu dia a dia, e ajude a amplificar vozes negras que discutem esse tema.
9. Onde posso encontrar mais informações confiáveis sobre o tema?
Você pode consultar as fontes científicas mencionadas no vídeo, além de buscar trabalhos de pesquisadores como:
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - estudos sobre racismo e saúde mental
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) - pesquisas sobre iniquidade racial em saúde
Artigos da SciELO sobre história da psiquiatria no Brasil
Obras de intelectuais negros brasileiros que discutem saúde mental e racismo
10. Por que é importante falar sobre esse tema hoje?
Porque o passado não está no passado. As estruturas criadas durante a escravidão continuam afetando a vida e a saúde mental da população negra brasileira. Entender essa história é fundamental para combater o racismo atual, criar políticas públicas mais justas e construir uma sociedade verdadeiramente igualitária. Silenciar sobre esse tema é perpetuar o sofrimento.

